quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Novo ano, tempo de crise, tempo de ser feliz...

Um novo ano está à porta e aproxima-se a grande velocidade, qual furacão a entrar em nossas casas. E sim, a palavra furacão é uma alusão à incerteza e possíveis dificuldades ainda mais aflitivas que as que este ano vivemos.
A incerteza é uma certeza. Imaginamos o que nos espera, mas estaremos preparados para um ano ainda mais difícil? Porque as dificuldades que se avizinham serão ainda maiores e mais sentidas se não estivermos preparados para as receber e vivê-las de forma a não nos destruirmos e destruirmos o outro, os outros, os alguéns, os que não vemos e os que vivem ao nosso lado.
O começo de um novo ano faz-nos sondar a passagem do tempo na nossa vida. O que acaba, o tempo ou a vida? O tempo é finito, mas a nossa vida pode suportar o tempo e caminhar para além dele.
O que está por vir não é algo predeterminado, mas constrói-se na marcha implacável do tempo. Dentro dele, livremente, vamos ao encontro da felicidade ou da desgraça. Temos a nossa liberdade para decidir o caminho a escolher. Uma liberdade lado a lado com a responsabilidade, porque o caminho mais fácil será culparmos todas as crises e todos os outros pelas dificuldades que advirão. Será nesta liberdade e respeito pelo semelhante que poderemos ter esperança que os problemas poderão ser minorados.
Esta responsabilidade é-nos dada por Dostoievsky: “Somos todos responsáveis por tudo e por todos e eu mais do que qualquer outro e antes de qualquer outro”. Desta maneira, cada um tem de responder sob a injunção do outro, independentemente daquilo que cada qual faça. Ou seja, esta regra é a condição para cada um saber agir por si, sem esperar nada em troca. É saber agir em função da nossa consciência, do reduto último da nossa humanidade; é agir em função do bem para além do Ser. Este é o verdadeiro humanismo: responder em função do apelo do outro sem almejar qualquer recompensa que não a execução do bem pelo bem.
Será o tempo em que teremos de praticar a ética nas nossas vidas em todas as frentes. O habitual é surgir o “eu” que se vai rodeando de diversos predicados, no entanto, a responsabilidade não é uma qualidade do “eu”, é o próprio “eu”. Quem nos ensina isto são os mestres do saber e da filosofia, desde Levinas a Derrida, passando por Ricoeur. E esta é a altura para nos socorrermos dos ensinamentos dos Mestres e dos que dedicaram a vida ao conhecimento, porque com eles estaremos mais preparados para enfrentar as adversidades e o desconhecido. Sem nos recolhermos à nossa concha e apenas olharmos o nosso umbigo. Porque, este sim é o verdadeiro perigo. Ao contemplarmos apenas o nosso eu, desprezamos os outros e secamos as nossas vidas e tudo em volta.
Faço, pois, um desafio a todos vós, a todos nós. Vamos enfrentar um ano difícil, sim. Mas não esqueçamos os valores, não esqueçamos o outro, numa qualquer desculpa da crise e obstáculos que, sim, também, são, serão, muitos.
Vamos ter esperança em nós e nos outros, sem angústias e desalentos. Vamos fazer como Orson Welles: "Mesmo quando não havia nenhuma esperança, sempre procurei dar o melhor de mim."
Bom Ano Novo. E não resisto a citar também António Feio: “Não se esqueçam de ser felizes!”

Anabela G.

Publicado in Jornal Renascimento e http://www.eacfacfil.net/

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Um Natal com menos, mas mais Natal…




O Natal, mais uma vez. Todos os dias é Natal, alguém disse, mas em Dezembro, lembramo-nos que realmente é Natal. Todos os anos o Natal é diferente, de uma forma ou de outra, porque cada um tem consigo as marcas do tempo que o sucedeu.
Dizer que este Natal é difícil soa-me a repetição de muitos outros Natais. Os tempos estão difíceis, sim, mas tantos anos houve que eles estavam igualmente difíceis… Este ano está mais? Sim, provavelmente, para mais pessoas, mas em todos os outros Natais as dificuldades acompanharam a vivência de tanta gente! Mas um Natal com menos, pode ser um Natal melhor. Quem o diz é Frei Fernando Ventura, que reflectiu sobre este Natal e do qual vos deixo aqui uma parte da sua reflexão que pode ser lida na íntegra do site da Agência Ecclesia.

"Ser hoje luz num tempo de sombras, parece ser o “destino” de cada um de nós no tempo que passa, num tempo que passa e que dói, que dói esta dor funda da impotência, da impotência diante dos gigantes das sombras que se agigantam e que parecem querer tomar de assalto tudo o que mexe, tudo o que respira e tudo o que sonha. Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor! O mundo, o país e cada um de nós, vive tempos de esperança e de mudança, em que o novo surge como a nova fronteira a conquistar, mas onde o medo e os medos teimam em formar barreira diante dos olhos, destes olhos feitos para ver a luz, feitos para encarar o medo, feitos para não terem de ver o sol só reflectido nos charcos. Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor! Se calhar, a maior conquista do tempo do medo que passa, foi precisamente esta de nos ter tirado a capacidade de ousar levantar a cabeça, de ousar olhar para além do imediato do já, em direcção ao menos “imediato” do ainda não, mas que está e vive em tensão de devir, de futuro, de projecção para diante, num diante que encontra a utopia e faz dela o sonho, um sonho que vence o medo, um sonho que se abre à luz. Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor! É por aqui que passa o segredo, este segredo que invejosamente levamos dentro sem partilhar, que envergonhada e pudicamente escondemos e que não conseguimos dar à luz e que nos faz gemer, gemer as dores do parto que tarda, gritar o grito das vozes caladas. Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor! E no entanto, a gravidez do tempo existe, as dores do parto afligem-nos, o nascimento tarda em acontecer, e o meu povo sofre, e a minha gente grita, o grito surdo que a voz rouca não é capaz de calar, mas que o medo embota, e que o desespero não deixa encontrar a paz (…)”

Esta crise que acompanha o Natal, também é uma crise que nos acompanha dentro de nós mesmos, dentro do nosso nós mais interior, aquele em que gritamos connosco e nos faz pensar e dizer basta tantas vezes. E desta vez também podemos dizer um basta de não saber quem somos, o que fazemos num mundo tão explorado e igualmente manipulador, em que somos arrastados pela torrente avassaladora dos acontecimentos que nos esmagam e fazem doer, porque ao olhar em volta vemos dor e sofrimento no olhar do outro e em nós esta dor é tão, mas tão semelhante, porque a crise começa no meu eu, na minha génese de ser quem sou.
Vamos aceitar o desafio de Frei Fernando Ventura e dizer NATAL, porque é um Natal com menos, mas pode e deve ser um Natal melhor. Vamos olhar para o esplendor do Natal das luzes e decorações douradas e coloridas e interiorizar esta beleza dentro de nós próprios, para que o Natal seja realmente sentido em todos os sentidos, para que possamos sentir um Natal dentro de nós, mas em direcção ao outro, que esquecemos numa lembrança tão ilusoriamente oferecida no nosso mais superficial gesto de dar um presente, não porque é Natal, mas porque é mais um Natal…
Vamos fazer um Natal com menos, mas mais Natal, porque verdadeiramente é Natal lá fora e dentro de nós, hoje e eternamente Natal. Feliz Natal todos os dias! 

Publicado in Jornal Renascimento e http://www.eacfacfil.net/

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Feliz Natal a todos...

Feliz Natal a todos os meus amigos e leitores,


Anabela G.

 Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Já não há tempo?

Já não há tempo?

Há dias assim… dias em que nos apetece desligar o interruptor e mergulhar no silêncio, no vazio da nossa alma. Deixar de ouvir os lamentos de todos os dias, as notícias de mais uma catástrofe que deixou seres como nós sem tecto e sem comida, de uma guerra fratricida que assassina vizinhos, amigos e irmãos, de uma crise instalada que nos fulmina todos os dias com mais um caso que nos faz duvidar do dia de amanhã, de uma manhã de trabalho que nos esgotou as forças de um dia inteiro…

Há dias que já não se aguentam. Dias em que não vislumbramos o sol, dias que duvidamos que Deus existe. Dias que em que protestamos vivamente, como Al Berto:  deus tem que ser substituído rapidamente por poemas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.
 É quando perdemos o tempo. Já não sabemos onde está, ou, pior ainda, para que o queremos. Ele escapa-se-nos das mãos. Ouvimos, mas não sentimos. Guerra? É tão lá longe… Crise? Está tão instalada que mais uma notícia é só mais uma notícia. O tempo esgota-se em cada má notícia, os dias esvaiam-se numa sucessão de segundos onde estamos onde não queremos, fazemos o que não projectamos, sentimos o que não desejamos. 
E, num repente, dá-mos connosco a pensar: mas já não há tempo...

— Bom dia - disse o principezinho.
— Bom dia - disse o vendedor.
Era um vendedor de pílulas aperfeiçoadas que acalmam a sede. Toma-se uma por semana e deixa-se de sentir qualquer necessidade de beber.
— Por que é que vendes isso? Perguntou o principezinho.
— É uma grande economia de tempo, disse o vendedor. Os peritos fizeram as contas. Permite poupar cinquenta e três minutos por semana.
— E o que é que se faz com esses cinquenta e três minutos?
— Faz-se aquilo que se quer...
«Eu, disse para si mesmo o principezinho, se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, caminharia muito lentamente para uma fonte...»

Saint-Exupéry  tinha tempo. E nós teremos? Eu gostava de ter tempo para me contarem uma história… ouvir uma música dentro do silêncio, ter um sonho nas páginas de um livro… Porque como dizia José Jorge Letria,

Os livros são a metade /Dos sonhos que tu tens,/São a tua liberdade/ E o maior dos teus bens,/Porque tendo a tua idade/Têm tudo o que tu tens.

Anabela G. e http://www.eacfacfil.net/

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Abelaira e Espinosa ou a Pátria dos Imortais…


Augusto Abelaira, escritor, professor, romancista, foi (é) um dos grandes nomes da cultura portuguesa. Na sua vasta obra teve uma especial predilecção pela autocrítica geracional e o próprio acto da escrita, temas a que recorria frequentemente.
Vem isto a propósito de um seu artigo “Nascido em Portugal, Espinosa…”. Encontrei-o no meu “baú” académico e lembro-me de ter debatido, com colegas e professores, se o autor nessa sua reflexão, não teria também uma ponta de melancolia, de desalento até, de nascer português. Não de “ser” português, coisa completa e absolutamente diferente, até porque Augusto Abelaira sempre se pautou por intervir activamente na vida política de Portugal. Senhor de uma ironia profunda participou activamente na cultura e na sociedade portuguesa, não hesitando em envolver-se na altura em que a censura imperava em Portugal.
Mas, voltando ao artigo em questão, Abelaira tece várias considerações sobre a importância (ou a falta dela) de alguns autores célebres nasceram num determinado país. Neste caso concreto, falava de Espinosa e Portugal.  
Será que se Portugal não tivesse expulsado os judeus, Espinosa poderia ter nascido português? E, mesmo assim, quem garante que a família de Espinosa não teria emigrado?
O autor refere que a história humana está repleta de “ses”, reflectindo sobre um certo determinismo muito característico de alguns autores portugueses (da alma portuguesa, diríamos nós), convencidos que Portugal, no seu cantinho do Sul da Europa, tem sempre um papel reduzido no panorama cultural mundial (sim, temos Saramago, para falar apenas de um Nobel, temos já muitos e bons nomes a circular por esse mundo, mas o que poderíamos ter se Portugal não fosse o tal cantinho, o tal “rectangulozinho”?).
Citando Eduardo Lourenço, Espinosa poderia ter escrito a sua Ética em Lisboa ou Coimbra… mas teria ela entrado no grande “diálogo europeu” como aconteceu ou teria antes permanecido confinada à nossa cultura lusa e, assim, sem a projecção que teve na cultura universal? Teria esta que agradecer a tragédia de tanto sangue derramado em Lisboa, para dar à luz um dos grandes racionalistas da filosofia moderna?
Talvez Portugal não reunisse as mesmas condições que Amesterdão proporcionou ao célebre filósofo. Mas, mesmo que reunisse, certamente não seria o mesmo Espinosa… Certamente a sua obra não seria a mesma, o contexto cultural não seria o mesmo, logo a sua Ética não seria a “sua”, mas outra, desenvolvida em contextos diferentes.
Novamente Abelaira recorre na sua reflexão ao fatalismo português. Discorre sobre o individualismo nacional, a falta de diálogo, à quantidade de “Mozarts perdidos” pelo facto de nascerem portugueses… Aqui não estaria o autor a sentir a tal melancolia que falamos há pouco, de nascer em Portugal? Com tantas obras publicadas e o reconhecimento que granjeou, Augusto Abelaira poderia ser conhecido e estudado noutros países, numa outra dimensão, entrado no tal diálogo europeu…. Se (os tais “ses”…) Abelaira tivesse nascido em Amesterdão teria a projecção mundial que certamente almejaria, ou seria, como em Portugal, um escritor premiado e reconhecido nacionalmente, mas apenas e só a nível nacional?
Não saberemos nunca, mas este pensamento determinista, fatalista, de impossibilidade de lutar contra acontecimentos que impedem a liberdade de vida e tolhem a liberdade de movimentos é característica de outros escritores portugueses como Eça, Antero ou Pessoa.
Será que Abelaira não escapou a este estado de alma tão típico de Portugal? Não somos capazes de responder, mas acreditamos que Abelaira subscreveria a afirmação de Alfred de Musset: “Os grandes artistas não têm pátria”.  
E arriscamos a perguntar: a pátria dos filósofos, poetas e escritores não será os seus livros, as suas palavras?

P.S.: Vivemos presentemente uma situação nacional tão crítica  que cada vez mais estamos convictos que Portugal não mudou tanto assim… E ainda por cima continuamos “sebastianistas”… até quando?

Anabela G.
Publicado in Jornal Renascimento e http://www.eacfacfil.net/

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

HOJE ESTOU TRISTE ESTOU TRISTE

Hoje estou triste... faz 76 anos da morte de Fernando Pessoa. Estou triste pelo óbvio mas por outro lado nem sei se estou... Tenho a poesia que ele nos deixou. Afinal estou triste ou não? Oh... Fernando Pessoa tem a resposta! Ei-la:
HOJE ESTOU TRISTE ESTOU TRISTE

Hoje estou triste, estou triste,
Estou muito triste, e, em parte,
Minha tristeza consiste
Em nem saber se estou triste.

Se toda tristeza tem
Uma causa, qual a desta?
Que mal a causa ou mantém?
Pode ser que seja um bem.

A alma humana é estrangeira,
E tem usos e costumes
Fora da nossa maneira.
Estou triste, ainda que o queira…

Fernando Pessoa

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Pessoa, eterno...

Pessoa, eterno…

Alvo de inúmeros e variados estudos, livros, teses e doutoramentos, Fernando Pessoa é uma figura ímpar e incontornável da Literatura Portuguesa. Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, no ano de 1888. Poeta e escritor por vocação e não por profissão, como ele próprio refere na sua “Nota biográfica escrita pelo próprio Fernando Pessoa (30-3-1935)”, publicou em vida um único livro “Mensagem”.
Em inglês publicou vários poemas, mas foi sobretudo em colaborações com revistas e jornais que se deu a conhecer em vida, destacando-se as revistas A Águia, A Renascença, Orpheu, Contemporânea, Presença, Fama, entre muitas outras. Postumamente, foram publicados livros em prosa, organizados por diversos autores, e o Livro do Desassossego, sob o semi-heterónimo Bernardo Soares; vários livros de poesia, que assinou sob diferentes heterónimos, destacando-se Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos; e variadíssimos ensaios e reflexões.      

 sobre a “mensagem”


Mensagem é um livro de Poemas, ou “O Poema”, como ele próprio o designa, considerado por alguns autores como a sua obra-prima, enquanto outros valorizam muito mais os livros por ele publicados sob os atrás referidos heterónimos.
Não podemos, contudo deixar de considerar que, escolhendo o autor este livro para a sua primeira publicação, o considerava certamente acima de qualquer outro.

Originam-se estas linhas na evocação do dia 30 de Novembro de 1935, quando partiu desta vida, deixando-nos “várias vidas”.

Anabela G.
in Renascimento, publicado em 2011

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O mundo também é de quem sente?

O mundo também é de quem sente?

Um destes dias um amigo confidenciou-me que muitas das suas convicções estavam a ruir como madeira verde sobre os seus pés e isso estava a afectar toda a sua vida. Tinha visto um documentário sobre as oportunidades num determinado país e a ideia de partir emergia insistentemente na sua cabeça.
Como por acaso ou talvez não, surgiu-me uma reflexão do neuropsicólogo Nelson Lima que lhe dei a ler e a partilho aqui.
TER CONVICÇÃO é muito importante para tomarmos decisões mas pode não ser suficiente. Este é um dos dilemas com que muitos de nós, ao longo da vida, nos deparamos. Vejamos. Toda a gente sabe que certos alimentos causam problemas de saúde como, por exemplo, o açúcar. Infelizmente, a convicção não faz com que as pessoas se preocupem o suficiente para agir. Para passarmos da convicção à acção temos de nos INTERESSAR. Sabe o que é o Efeito de Madre Teresa? As instituições de caridade conhecem-no. É assim: é mais fácil interessar as pessoas a ajudarem uma causa específica (por exemplo: as vítimas reais de um terramoto) do que algo abstracto (por exemplo: a pobreza). O que faz a diferença? As EMOÇÕES. É perante situações concretas que somos mais facilmente tocados e passamos à acção.”
Uma ideia, por exemplo, conjugada com uma imagem forte sobre a mesma, provoca na nossa mente uma convicção. A imagem forte pode ser o fruto da nossa imaginação agitada, influenciada pelo pensamento. Tudo isto pode resultar de estados negativos ou positivos, ser provocado pelas desilusões ou alegrias, fracassos ou progressos.
Normalmente, as convicções arrastam-nos para posições mais ou menos veementes e procuramos tudo fazer para as pôr em prática, minimizando tudo aquilo que se lhes opõe, valorizando cada ponto a seu favor.
Sabendo que a vida é feita de convicções, já se está a ver a importância das emoções, no fundo condicionam as nossas convicções, dado que não vivemos sem elas. Aliás, Ortega y Gasset já dizia que a própria vida é absoluta convicção.

Passamos à acção com base nas nossas convicções, somos influenciados pelas emoções… que são tão mais fortes quanto mais concretas elas se nos afiguram. Isto não é simples de exprimir, não… E para complicar ainda mais deixo-vos com um pensamento de Fernando Pessoa que diz que "toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois se não dá nela. Toda a emoção verdadeira tem portanto uma expressão falsa. Exprimir-se é dizer o que se não sente”. Ah, e disse também que o mundo é de quem não sente
Ah, o meu amigo já decidiu… E dá-se ao luxo de discordar de Fernando Pessoa. O mundo também é de quem sente, disse ele. Eu diria antes: o mundo é mais meu quando sinto.

Anabela G.
In Jornal Renascimento, 2011 e http://www.eacfacfil.net/

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

"A tristeza dos portugueses" numa doçura sem igual...

“A tristeza dos portugueses”  numa doçura sem igual…



Hoje não vou escrever. Apetecia-me falar dos portugueses e da sua tristeza, mas o Miguel Esteves Cardoso disse tudo e muito mais do que eu poderia dizer. Ora leiam, sob o nome “ A tristeza dos Portugueses”, este belíssimo texto e absorvam cada palavra, reflictam e digam lá se eu tenho ou não razão.

Porque é que os portugueses são tristes? Porque estão perto da verdade. Quem tiver lido alguns livros, deixados por pessoas inteligentes desde o princípio da escrita, sabe que a vida é sempre triste. O homem vive muito sujeito. Está sujeito ao seu tempo, à sua condição e ao seu meio de uma maneira tal que quase nada fica para ele poder fazer como quer. Para se afirmar, como agora se diz, tão mal.
Sobre nós mandam tanto a saúde e o dinheiro que temos, o sítio onde nascemos, o sangue que herdámos, os hábitos que aprendemos, a raça, a idade que temos, o feitio, a disposição, a cara e o corpo com que nascemos, as verdades que achamos; mandam tanto em nós estas coisas que nos dão que ficamos com pouco mais do que a vontade. A vontade e um coração acordado e estúpido, que pede como se tudo pudéssemos. Um coração cego e estúpido, que não vê que não podemos quase nada.
Aí está a razão da nossa tristeza permanente. Cada homem tem o corpo de um homem e o coração de um deus. E na diferença entre aquilo que sentimos e aquilo que acontece, entre o que pede o coração e não pode a vida, que muito cedo encontramos o hábito da tristeza. Habituamo-nos a amar sem nos sentirmos amados e a esse sentimento, cortado por surpresas curtas, passamos a chamar amor. E com verdade. No mundo das ausências, onde a tristeza vem de sabermos muito bem o que nos falta, a nós e àqueles que nos rodeiam, a bondade, que nos torna vulneráveis aos sofrimentos daqueles que nos acompanham e nos faz sofrer duas vezes mais do que se estivéssemos sozinhos, é o preço que pagamos por não sermos amargos. É graças à bondade que estamos tristes acompanhados. Há uma última doçura em sermos tristes num mundo triste. Igual a nós.

Pois, estamos perto da verdade, amamos com alguma tristeza, temos a bondade que nos envolve num casulo, onde tudo se relativiza numa doçura sem igual. Tristes, nós? Hum… nostálgicos, talvez… 

Anabela G.
in Jornal Renascimento, 2011 e http://www.eacfacfil.net/

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Não sei se sei amar

Não sei se sei amar…

Quando te logro mais, mais te desejo;
Quando te encontro mais, mais te procuro;
Quando mo juras mais, menos seguro
Julgo esse doce amor, que adorna o pejo
.” Bocage


Desculpa o meu silêncio, meu amor.
Desculpa o meu silêncio das vezes que te não digo que amo.
Desculpa os dias que passo sem te olhar. Desculpa as coisas que não faço por não pensar. 
                É  que amar é uma aventura. Uma turbulência que se sente e não se define, uma calma que fatiga…. É o sol, o mar e um rio que nos inunda, uma fúria ansiosa que nos vicia.
E eu confesso, meu amor, que não sei se sei amar. Porque ao amar perco tudo o que aprendi, volto ao meu princípio de ser nada e tudo ao mesmo tempo.
Não te compreendo, porque me espantas e a tua luz vive em mim numa chama que me esgota. Amo no inferno e no paraíso, onde me encantas e me consomes. E eu devoro-te e inspiro-te, desassossego-te e preencho-te.
Sim, eu sei… não sabes se me inventas ou me reconheces, não sabes se existo ou te iludo.
E eu não sei e tu não sabes, porque amar não se ensina, porque o que aprendemos antes afinal não é o que sabemos agora.

Sim, meu amor, desculpa, mas não sei se sei amar… porque não sei se te perdes por me amares, porque não sei se te adivinho no teu querer, porque não sei se o teu coração bate na minha razão…
Sim, amor, eu queria destruir os meus silêncios... Abraça-me. Quero calar-me na serenidade dos teus braços, vestir-me na força do teu olhar… Que me importa que me gritem?

Anabela G.
In Jornal Renascimento, Novembro 2011 e http://www.eacfacfil.net/

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Saramago: palavras, uma oliveira e um banco de jardim

No dia 18 de Junho de 2011, decorrido um ano sobre a morte de José Saramago, prestou-se uma homenagem ao escritor, plena de simbologia. Na Casa dos Bicos, sede da futura Fundação José Saramago, foram depositadas parte das cinzas do escritor, aos pés de uma oliveira centenária, transplantada de Azinhaga do Ribatejo, terra do escritor.
“... mas não subiu às estrelas se à terra pertencia ..." são as palavras escolhidas para uma gravação em pedra, retirada do “Memorial do Convento”, junto a um banco também de pedra.
A Fundação abrirá ao público em Novembro e sem dúvida que este recanto do seu jardim será um dos mais procurados na praça lisboeta Campo das Cebolas, junto às margens do rio Tejo.
Quase toda a gente conhece a obra ou pelo menos leu algum livro (ou tentou, eu pelo menos tentei alguns, li outros), mas nem toda a gente sabe que Saramago também escreveu Poesia.
Aqui vos deixo um poema, Intimidade, dos mais belos que conheço do escritor, retirado do seu livro “Os Poemas Possíveis".


No coração da mina mais secreta,/ No interior do fruto mais distante, /Na vibração da nota mais discreta, /No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura, /Na veia que no corpo mais nos sonde, /Na palavra que diga mais brandura, /Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa, /Em que a vida se fez perenidade, /Procuro a tua mão, decifro a causa /De querer e não crer, final, intimidade. 

Anabela G.
In Jornal Renascimento, publicado em Junho de 2011 e http://www.eacfacfil.net/

sábado, 5 de novembro de 2011

Sophia de Mello Breyner Andresen – Uma vida de poeta

Sophia de Mello Breyner Andresen – Uma vida de poeta

No dia 26 de Janeiro ocorreu a cerimónia de assinatura do Termo de Doação do Espólio de Sophia de Mello Breyner Andresen pelo Director da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), Jorge Couto, e pelos filhos da Poetisa. Seguiu-se a exposição que dá nome a este texto e uma leitura de poemas por Beatriz Batarda e Luís Miguel Cintra,
Foi uma cerimónia comovente, sobretudo quando a filha, Maria Andresen, explicou como descobriram parte do espólio, que estava guardado no fundo de uma arca, bem como o processo que levou à concretização da sua doação e da dor de separação que naturalmente esse acto acaba por trazer aos seus filhos.
Miguel Sousa Tavares, num discurso brevíssimo, porque, como disse, a sua mãe detestava discursos e formalidades desse género, referiu que o acto de doar o espólio foi natural e pacífico entre os irmãos, porque têm consciência que Sophia não é apenas mãe deles, mas pertence a milhões de portugueses que despertaram para a literatura através dos seus contos e sabem de cor os seus poemas. No final, referiu ainda que “sabe bem doar alguma coisa ao Estado”, porque “quando se recebe muito é bom devolver algo à sociedade”.
Na cerimónia estiveram presentes, além de muitos amigos e admiradores da poetisa, que encheram por completo o auditório, a Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, o Secretário de Estado da Cultura, Elísio Summavielle, bem como personalidades conhecidas e amigas da família, como Eduardo Lourenço, Arq.º Gonçalo Ribeiro Telles, Guilherme d’ Oliveira Martins, Artur Santos Silva, Mário Soares, entre muitas outras.
Todos eles salientaram a importância da obra e vida da poetisa, mas também o “lado luminoso” na actividade cívica. Sempre ao lado do marido, Francisco de Sousa Tavares, que chegou a ser preso pela PIDE, Sophia foi uma companheira presente e activa pela causa da liberdade, revelando uma grande coragem moral nas suas acções.
A Ministra reforçou o sentido de cidadania e partilha da família que conseguiram compreender a poeta para além da mãe e que Sophia é uma das mais nobres embaixadoras da cultura portuguesa. O director da BNP realçou a importância do dia presente, pois “é o dia em que Sophia vai passar a ser um pouco de todos nós e a transformar um pouco mais quem por ela se deixar tocar”.
Pelos amigos foi dito que a sua poesia evidenciava a sua alma, numa linguagem límpida e depurada, mas também voltada para realçar tudo o que tem de maravilhoso a vida, a beleza e as coisas que muitas vezes não valorizamos. Mas também foi uma pessoa de denúncia e pressão: “Perdoai-lhes Senhor, porque eles sabem o que fazem”, nas suas palavras.
“Este acto não foi apenas um acto cultural mas também um acto poético”, referiu nas suas palavras sábias Eduardo Lourenço que se dirigiu aos presentes como “amigos de Sophia” e aos poetas presentes como “irmãos de Sophia”. Declarou-se deslumbrado pela beleza de Sophia e da áurea que dela emanava. O que mais o encantava na amiga era a ideia que ela tinha da poesia. Uma poesia que faz parte da história da vida e não da vida da literatura, a poesia como essência de vida.
Gonçalo Ribeiro Telles falou do mar de Sophia, “mar infinito que começa perto e é longe”. Nela, o amigo viu a transparência transformada em verdade e terminou, dizendo: “Obrigado, Sophia. O futuro de Portugal pertence-lhe. Obrigado”.
Não posso acrescentar mais nada às palavras que já foram ditas sobre Sophia. Apenas os convido a visitar a exposição presente até 30 de Abril, na BNP. Lá terão a bênção de serem tocados pela poeta e de sentirem a poesia revelada em estórias e coisas e momentos e emoções em amor, fúria e raiva… em vida.

Anabela G.
In Jornal Renascimento, publicado a 15 de Fevereiro de 2011 e http://www.eacfacfil.net/

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Um pouco de sol....

SOPHIA = POESIA

SOPHIA = POESIA

Esta semana é a semana de Sophia. No momento em que escrevo esta crónica encontro-me a caminho da inauguração da exposição Sophia de Mello Breyner Andresen – Uma Vida de Poeta, à Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa. A exposição, constituída pelo vasto espólio que a sua família doou àquela instituição, retrata a sua vida e obra.
Sophia nasceu no Porto em 1919 e faleceu em Lisboa em 2004. Mas a poetisa dispensa apresentações, é uma figura incontornável na literatura portuguesa. A sua obra é vasta e centra-se sobretudo na Poesia e nos contos para crianças. Não vou aqui elencar as suas publicações, porque estão ao dispor de quem quiser procurá-las em qualquer livraria.
Mas recordo as suas histórias como fazendo parte da minha infância: O Rapaz de Bronze, A Menina do Mar, a Floresta, o Cavaleiro da Dinamarca, entre outras. Sophia disse que começou a escrever histórias para crianças porque as que encontrava para ler aos seus filhos apresentavam uma linguagem demasiado infantil.
“Na minha infância, antes de saber ler, ouvi recitar e aprendi de cor um antigo poema tradicional português, chamado Nau Catrineta. Tive assim a sorte de começar pela tradição oral, a sorte de conhecer o poema antes de conhecer a literatura. Eu era de facto tão nova que nem sabia que os poemas eram escritos por pessoas, mas julgava que eram consubstanciais ao universo, que eram a respiração das coisas, o nome deste mundo dito por ele próprio.” De facto, as histórias têm um papel fundamental na educação das crianças. Devemos ler-lhas, mas, também que elas as saibam de cor e, isto, sim, na minha opinião, está a passar ao lado de pais e educadores.
Mas embora a sua obra seja sobejamente conhecida é apenas lida ocasionalmente nos manuais do 1º e 2º ciclos. A nível académico falta ainda muito que fazer para estudar a sua obra, pelo que a doação do seu espólio à Biblioteca Nacional e o congresso dos dias 26 e 27, na Fundação Calouste Gulbenkian, Colóquio Internacional Sophia de Mello Breyner Andresen, irão ser fundamentais para divulgar ainda mais as suas obras, bem como o estudo que a sua filha Maria Andresen tem feito à obra da mãe. Ficará a porta aberta a futuras investigações académicas que permitirão conhecer o verdadeiro mundo de Sophia.
Sophia que, dedicando toda a sua vida à literatura e à família, não se coibiu de ter um papel activo na sociedade antes e depois do 25 de Abril. Aliás, foi na qualidade de deputada que afirmou: “A cultura é uma das formas de libertação do homem. Por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como anti-poder. E se é evidente que o Estado deve à cultura o apoio que deve à identidade de um povo, esse apoio deve ser equacionado de forma a defender a autonomia e a liberdade da cultura para que nunca a acção do Estado se transforme em dirigismo.”
Da vida confessou: “A vida não me foi madrasta, tive que sofrer como toda a gente”.
Deixo-vos um convite para reler a sua obra e, sobretudo, conhecer uma mulher excepcional que deixará o seu nome gravado na imortalidade dos grandes, daqueles que o tempo não esquece. São dela estas palavras:

Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não vivido deixa.

Aceitemos este convite. Hoje e agora. Para que não restem arrependimentos de não termos vivido, de não termos saboreado as suas palavras uma a uma, com deleite, prazer, serenidade, mas também com fúria e raiva, sentimentos que a atravessaram e que deixou impressos nas suas palavras. Para todos nós. Foi ela que disse para não termos medo das palavras:

Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada.


Anabela G.
In Jornal Renascimento, 1 de Fevereiro de 2011 e http://www.eacfacfil.net/

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O Carteiro de Pablo Neruda, ou as metáforas da paixão

O Carteiro de Pablo Neruda, ou as metáforas da paixão

Recentemente reli O Carteiro de Pablo Neruda, de António de Skármeta. É um livro a que regresso algumas vezes pela emoção e poesia que emana, pela humildade e grandeza das suas principais personagens, Mário e Pablo, um carteiro porque não queria ser pescador e um poeta que não podia ser livre. O livro foi mais tarde adaptado ao cinema, num filme belíssimo, com o mesmo nome em Portugal, realizado por Michael Radford e onde Massimo Troisi interpreta o último papel da sua vida, o inesquecível Mário, com tal intensidade e dedicação que, indiferente aos conselhos médicos, morre dias depois de acabadas as filmagens. O filme foi um sucesso de bilheteira, candidato a vários Óscares e vencedor da melhor banda sonora, com algumas diferenças em relação ao livro (uma delas é o final), mas um filme de culto, belo e encantador, aliás como o livro, sem dúvida um dos filmes da minha vida (existe em DVD, da Miramax).
Uma vida simples, pobre, um desejo de contrariar um destino obscuro e sem futuro, igual ao do pai e das gentes que o rodeiam, mas uma capacidade surpreendente de olhar com os olhos e a alma, tanto as coisas simples que o envolvem, como o amor de uma mulher ou as frases enigmáticas de um poeta. Mário o improvisado poeta de uma pequena ilha pobre, mas encantadora, onde o famoso poeta Pablo Neruda se acolhe, obrigado a um exílio que não escolheu, é a personagem fascinante que nos acompanha do princípio ao fim desta aventura. Capaz de nos fazer sorrir na sua ingénua pureza, leva-nos por outro lado às lágrimas, com o seu trágico destino no final.
Mário começa por descobrir nos versos de Neruda, o que o faz famoso. E descobre um mundo novo, recheado de palavras bonitas mas também incompreensíveis, a que a curiosidade e sensibilidade de Mário não resiste.
Ao confrontar o poeta com as suas dúvidas, Mário não entende. São metáforas, esclarece o Mestre. Metáforas? Com paciência, o poeta confronta o carteiro com uma comparação, propondo-lhe um simples exercício. Se ele disser que o céu chora, o que quer significar com isso? Mário não hesita. Chove, pois claro. E está claro que Mário é um poeta. Um poeta da vida, sem conhecimento que suporte a sua vontade de criar, mas com uma sensibilidade que o leva a assimilar os ensinamentos de Neruda e a criar, isso sim, momentos únicos de poesia pura.
E no momento da criação da sua primeira metáfora, Mário recusa-se a aceitar que a criou, simplesmente porque foi involuntariamente, logo “não vale”. O poeta apressa-se a elucidá-lo que isso (a intenção), não era o mais importante, o mais importante era o aparecimento das imagens que deram origem à metáfora. Então o Mundo todo é metáfora de alguma coisa? Mário interroga-se, surpreendido.
 Neruda diz a Mário que o poeta precisa conhecer o seu objecto de inspiração, não pode escrever algo do nada, quando este lhe pede para fazer um poema dedicado ao seu amor, Beatriz Russo. O poeta necessita algo mais do que construir frases, para a criação de metáforas, precisa de sentir… mas isso não é problema para o carteiro, ele só sente….
Mas a capacidade criação de metáforas de Mário, que parte apenas de símbolos, aumentou a sua linguagem, o seu pensamento, alterou o rumo da sua própria vida.
Com Beatriz, Mário fez metáforas, símbolos, amor e Pablito. O coração de Pablito… metáfora maior de uma vida recheada de significados.
E Neruda? Da vida de um simples carteiro, humilde e quase analfabeto, um poeta aprende uma grande lição de vida. Existirá melhor metáfora que esta? A emoção de Mário em criar poemas é recordada por Neruda, mais tarde em Paris, enquanto ouve o azul intenso das águas da ilha, que Mário lhe enviou e gravou num japonesíssimo Sony:
Número um – Ondas em Calli Sotto. Pequenas.
Número dois – Ondas grandes.
The end: Poesia… no seu estádio líquido.


Anabela G.
In Jornal Renascimento, 15 de Abril de 2010 e http://www.eacfacfil.net/

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Fios de mim

Fios de mim


Fios que lanço,
Teias que transporto.
Dir-me -ás que sim, que não, que bom…

Explosão de sentires,
Arremesso de sensações…
Murmuro-te o que sinto,
Liberto as revoluções.

Tonturas. Grito de júbilo,
Enlouqueces porque sim!
Embriago-te no meu regaço,
Enlaço a tua ilusão.

Dir-me-ás que sim.
E eu, em ternura,
Fantasio a tua paixão.

Anabela G.
In Jornal Renascimento, 1 de Novembro de 2011 e http://www.eacfacfil.net/

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Ao entardecer

Ao entardecer...




Ao entardecer vejo o verbo a inquietar
Que sentimento me dá…

A lua em breve desperta,
Traz consigo a bruma do tempo
E um luzeiro de quereres.

Que esquecimento me traz.
Agonizam as utopias,
Despertam-se os desejos,
Quimeras em alucinação.

Que sonho me carrega.
Ofuscam-se as cores,
Apertam-se as correntes,
Aprisionam-me.

Eclipse. 


Anabela G.
In Jornal Renascimento, 15 de Outubro de 2011 e http://www.eacfacfil.net/