quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Mentira, mentira, mentira...

Óleo sobre tela de René Magritte

Tu julgas que eu não sei que tu me mentes 
Quando o teu doce olhar pousa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito meu?

Ai, se o sei, meu amor! Em bem distingo
O bom sonho da feroz realidade...
Não palpita d´amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!

Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais
O gelo do teu peito de granito...

Mas finjo-me enganada, meu encanto,
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!


Florbela Espanca

Gostar de alguém pode ser tão forte que dizer a verdade pode ser cruel? Ou, por outras palavras: gostamos tanto de alguém que o que temos a dizer soa a crueldade e então vamos lá conceber uma forma em que as palavras têm de ser medidas, pensadas, adocicadas… para não magoar. Só que às vezes esse esforço é tanto que essas mesmas palavras soam a isso mesmo: mentira, mentira, mentira.
Sim, mentira. Essa palavra que queima, esturra, seca. Ou não. Quem não disse uma mentira que se levante sff.  A mentira dita social é aceite pela sociedade, dita todos os dias. Mente-se, pois, aqui e acolá. Mas é mentira quando se diz a verdade em palavras travestidas, mais ou menos brandas? Será uma mentira que poderá afinal de contas não o ser, mas então é o quê?
Há as pessoas que mentem porque têm uma extrema necessidade de serem amadas, apreciadas, ou elogiadas, e mentem para se sentirem aceites, mentem para serem mimadas, mentem para os outros e para si próprios.
Hannah Arendt dizia que é muito difícil mentir aos outros sem mentirmos a nós mesmos.  Em Hípias Menor, Sócrates trava um diálogo com Hípias, um sofista que conhece todas as ciências, um sábio, enfim. Este diz que um homem que não mente e um que engana são, no fundo, semelhantes. O que engana é um homem inteligente porque o faz conscientemente, ou seja é consciente da verdade, assim como aquele que não engana. São os dois válidos, ou seja, aqui está uma bela maneira de chegar a um fim sem olhar a meios…
Kant, por seu lado, acreditava que a mais leve mentira era um mal contra todos os homens. Já Santo Agostinho, posicionando-se num plano moral, acusava que mentir era um pecado grave.
E Florbela Espanca fingia-se enganada, porque o seu amor lhe mentia. E outros dizem que Pessoa mentia quando dizia que fingia tão completamente que fingia que é dor a dor que deveras sente.
Li algures que a melhor pessoa diz a verdade como quem mente. E o melhor mentiroso mente como quem diz a verdade. Será verdade?
Mas verdade, verdade, é a de Epicteto: “A verdade triunfa por si mesma. A mentira necessita sempre de cumplicidade”.

Anabela G.
Publicado in Jornal Renascimento e http://www.eacfacfil.net/

3 comentários:

  1. A verdade, sempre a verdade, acima de tudo ! Doa lá o que doer...

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  2. Perfeitamente. Mais um texto soberbo. Obrigada por partilhares connosco.
    BS

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  3. É cumplicidade o que compartilho;)
    Abraço, BlueShell

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