segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Abelaira e Espinosa ou a Pátria dos Imortais…


Augusto Abelaira, escritor, professor, romancista, foi (é) um dos grandes nomes da cultura portuguesa. Na sua vasta obra teve uma especial predilecção pela autocrítica geracional e o próprio acto da escrita, temas a que recorria frequentemente.
Vem isto a propósito de um seu artigo “Nascido em Portugal, Espinosa…”. Encontrei-o no meu “baú” académico e lembro-me de ter debatido, com colegas e professores, se o autor nessa sua reflexão, não teria também uma ponta de melancolia, de desalento até, de nascer português. Não de “ser” português, coisa completa e absolutamente diferente, até porque Augusto Abelaira sempre se pautou por intervir activamente na vida política de Portugal. Senhor de uma ironia profunda participou activamente na cultura e na sociedade portuguesa, não hesitando em envolver-se na altura em que a censura imperava em Portugal.
Mas, voltando ao artigo em questão, Abelaira tece várias considerações sobre a importância (ou a falta dela) de alguns autores célebres nasceram num determinado país. Neste caso concreto, falava de Espinosa e Portugal.  
Será que se Portugal não tivesse expulsado os judeus, Espinosa poderia ter nascido português? E, mesmo assim, quem garante que a família de Espinosa não teria emigrado?
O autor refere que a história humana está repleta de “ses”, reflectindo sobre um certo determinismo muito característico de alguns autores portugueses (da alma portuguesa, diríamos nós), convencidos que Portugal, no seu cantinho do Sul da Europa, tem sempre um papel reduzido no panorama cultural mundial (sim, temos Saramago, para falar apenas de um Nobel, temos já muitos e bons nomes a circular por esse mundo, mas o que poderíamos ter se Portugal não fosse o tal cantinho, o tal “rectangulozinho”?).
Citando Eduardo Lourenço, Espinosa poderia ter escrito a sua Ética em Lisboa ou Coimbra… mas teria ela entrado no grande “diálogo europeu” como aconteceu ou teria antes permanecido confinada à nossa cultura lusa e, assim, sem a projecção que teve na cultura universal? Teria esta que agradecer a tragédia de tanto sangue derramado em Lisboa, para dar à luz um dos grandes racionalistas da filosofia moderna?
Talvez Portugal não reunisse as mesmas condições que Amesterdão proporcionou ao célebre filósofo. Mas, mesmo que reunisse, certamente não seria o mesmo Espinosa… Certamente a sua obra não seria a mesma, o contexto cultural não seria o mesmo, logo a sua Ética não seria a “sua”, mas outra, desenvolvida em contextos diferentes.
Novamente Abelaira recorre na sua reflexão ao fatalismo português. Discorre sobre o individualismo nacional, a falta de diálogo, à quantidade de “Mozarts perdidos” pelo facto de nascerem portugueses… Aqui não estaria o autor a sentir a tal melancolia que falamos há pouco, de nascer em Portugal? Com tantas obras publicadas e o reconhecimento que granjeou, Augusto Abelaira poderia ser conhecido e estudado noutros países, numa outra dimensão, entrado no tal diálogo europeu…. Se (os tais “ses”…) Abelaira tivesse nascido em Amesterdão teria a projecção mundial que certamente almejaria, ou seria, como em Portugal, um escritor premiado e reconhecido nacionalmente, mas apenas e só a nível nacional?
Não saberemos nunca, mas este pensamento determinista, fatalista, de impossibilidade de lutar contra acontecimentos que impedem a liberdade de vida e tolhem a liberdade de movimentos é característica de outros escritores portugueses como Eça, Antero ou Pessoa.
Será que Abelaira não escapou a este estado de alma tão típico de Portugal? Não somos capazes de responder, mas acreditamos que Abelaira subscreveria a afirmação de Alfred de Musset: “Os grandes artistas não têm pátria”.  
E arriscamos a perguntar: a pátria dos filósofos, poetas e escritores não será os seus livros, as suas palavras?

P.S.: Vivemos presentemente uma situação nacional tão crítica  que cada vez mais estamos convictos que Portugal não mudou tanto assim… E ainda por cima continuamos “sebastianistas”… até quando?

Anabela G.
Publicado in Jornal Renascimento e http://www.eacfacfil.net/

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