quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Novo ano, tempo de crise, tempo de ser feliz...

Um novo ano está à porta e aproxima-se a grande velocidade, qual furacão a entrar em nossas casas. E sim, a palavra furacão é uma alusão à incerteza e possíveis dificuldades ainda mais aflitivas que as que este ano vivemos.
A incerteza é uma certeza. Imaginamos o que nos espera, mas estaremos preparados para um ano ainda mais difícil? Porque as dificuldades que se avizinham serão ainda maiores e mais sentidas se não estivermos preparados para as receber e vivê-las de forma a não nos destruirmos e destruirmos o outro, os outros, os alguéns, os que não vemos e os que vivem ao nosso lado.
O começo de um novo ano faz-nos sondar a passagem do tempo na nossa vida. O que acaba, o tempo ou a vida? O tempo é finito, mas a nossa vida pode suportar o tempo e caminhar para além dele.
O que está por vir não é algo predeterminado, mas constrói-se na marcha implacável do tempo. Dentro dele, livremente, vamos ao encontro da felicidade ou da desgraça. Temos a nossa liberdade para decidir o caminho a escolher. Uma liberdade lado a lado com a responsabilidade, porque o caminho mais fácil será culparmos todas as crises e todos os outros pelas dificuldades que advirão. Será nesta liberdade e respeito pelo semelhante que poderemos ter esperança que os problemas poderão ser minorados.
Esta responsabilidade é-nos dada por Dostoievsky: “Somos todos responsáveis por tudo e por todos e eu mais do que qualquer outro e antes de qualquer outro”. Desta maneira, cada um tem de responder sob a injunção do outro, independentemente daquilo que cada qual faça. Ou seja, esta regra é a condição para cada um saber agir por si, sem esperar nada em troca. É saber agir em função da nossa consciência, do reduto último da nossa humanidade; é agir em função do bem para além do Ser. Este é o verdadeiro humanismo: responder em função do apelo do outro sem almejar qualquer recompensa que não a execução do bem pelo bem.
Será o tempo em que teremos de praticar a ética nas nossas vidas em todas as frentes. O habitual é surgir o “eu” que se vai rodeando de diversos predicados, no entanto, a responsabilidade não é uma qualidade do “eu”, é o próprio “eu”. Quem nos ensina isto são os mestres do saber e da filosofia, desde Levinas a Derrida, passando por Ricoeur. E esta é a altura para nos socorrermos dos ensinamentos dos Mestres e dos que dedicaram a vida ao conhecimento, porque com eles estaremos mais preparados para enfrentar as adversidades e o desconhecido. Sem nos recolhermos à nossa concha e apenas olharmos o nosso umbigo. Porque, este sim é o verdadeiro perigo. Ao contemplarmos apenas o nosso eu, desprezamos os outros e secamos as nossas vidas e tudo em volta.
Faço, pois, um desafio a todos vós, a todos nós. Vamos enfrentar um ano difícil, sim. Mas não esqueçamos os valores, não esqueçamos o outro, numa qualquer desculpa da crise e obstáculos que, sim, também, são, serão, muitos.
Vamos ter esperança em nós e nos outros, sem angústias e desalentos. Vamos fazer como Orson Welles: "Mesmo quando não havia nenhuma esperança, sempre procurei dar o melhor de mim."
Bom Ano Novo. E não resisto a citar também António Feio: “Não se esqueçam de ser felizes!”

Anabela G.

Publicado in Jornal Renascimento e http://www.eacfacfil.net/

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Um Natal com menos, mas mais Natal…




O Natal, mais uma vez. Todos os dias é Natal, alguém disse, mas em Dezembro, lembramo-nos que realmente é Natal. Todos os anos o Natal é diferente, de uma forma ou de outra, porque cada um tem consigo as marcas do tempo que o sucedeu.
Dizer que este Natal é difícil soa-me a repetição de muitos outros Natais. Os tempos estão difíceis, sim, mas tantos anos houve que eles estavam igualmente difíceis… Este ano está mais? Sim, provavelmente, para mais pessoas, mas em todos os outros Natais as dificuldades acompanharam a vivência de tanta gente! Mas um Natal com menos, pode ser um Natal melhor. Quem o diz é Frei Fernando Ventura, que reflectiu sobre este Natal e do qual vos deixo aqui uma parte da sua reflexão que pode ser lida na íntegra do site da Agência Ecclesia.

"Ser hoje luz num tempo de sombras, parece ser o “destino” de cada um de nós no tempo que passa, num tempo que passa e que dói, que dói esta dor funda da impotência, da impotência diante dos gigantes das sombras que se agigantam e que parecem querer tomar de assalto tudo o que mexe, tudo o que respira e tudo o que sonha. Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor! O mundo, o país e cada um de nós, vive tempos de esperança e de mudança, em que o novo surge como a nova fronteira a conquistar, mas onde o medo e os medos teimam em formar barreira diante dos olhos, destes olhos feitos para ver a luz, feitos para encarar o medo, feitos para não terem de ver o sol só reflectido nos charcos. Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor! Se calhar, a maior conquista do tempo do medo que passa, foi precisamente esta de nos ter tirado a capacidade de ousar levantar a cabeça, de ousar olhar para além do imediato do já, em direcção ao menos “imediato” do ainda não, mas que está e vive em tensão de devir, de futuro, de projecção para diante, num diante que encontra a utopia e faz dela o sonho, um sonho que vence o medo, um sonho que se abre à luz. Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor! É por aqui que passa o segredo, este segredo que invejosamente levamos dentro sem partilhar, que envergonhada e pudicamente escondemos e que não conseguimos dar à luz e que nos faz gemer, gemer as dores do parto que tarda, gritar o grito das vozes caladas. Por isso hoje é tempo de NATAL com menos, mas um Natal melhor! E no entanto, a gravidez do tempo existe, as dores do parto afligem-nos, o nascimento tarda em acontecer, e o meu povo sofre, e a minha gente grita, o grito surdo que a voz rouca não é capaz de calar, mas que o medo embota, e que o desespero não deixa encontrar a paz (…)”

Esta crise que acompanha o Natal, também é uma crise que nos acompanha dentro de nós mesmos, dentro do nosso nós mais interior, aquele em que gritamos connosco e nos faz pensar e dizer basta tantas vezes. E desta vez também podemos dizer um basta de não saber quem somos, o que fazemos num mundo tão explorado e igualmente manipulador, em que somos arrastados pela torrente avassaladora dos acontecimentos que nos esmagam e fazem doer, porque ao olhar em volta vemos dor e sofrimento no olhar do outro e em nós esta dor é tão, mas tão semelhante, porque a crise começa no meu eu, na minha génese de ser quem sou.
Vamos aceitar o desafio de Frei Fernando Ventura e dizer NATAL, porque é um Natal com menos, mas pode e deve ser um Natal melhor. Vamos olhar para o esplendor do Natal das luzes e decorações douradas e coloridas e interiorizar esta beleza dentro de nós próprios, para que o Natal seja realmente sentido em todos os sentidos, para que possamos sentir um Natal dentro de nós, mas em direcção ao outro, que esquecemos numa lembrança tão ilusoriamente oferecida no nosso mais superficial gesto de dar um presente, não porque é Natal, mas porque é mais um Natal…
Vamos fazer um Natal com menos, mas mais Natal, porque verdadeiramente é Natal lá fora e dentro de nós, hoje e eternamente Natal. Feliz Natal todos os dias! 

Publicado in Jornal Renascimento e http://www.eacfacfil.net/

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Feliz Natal a todos...

Feliz Natal a todos os meus amigos e leitores,


Anabela G.

 Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

Fernando Pessoa

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Já não há tempo?

Já não há tempo?

Há dias assim… dias em que nos apetece desligar o interruptor e mergulhar no silêncio, no vazio da nossa alma. Deixar de ouvir os lamentos de todos os dias, as notícias de mais uma catástrofe que deixou seres como nós sem tecto e sem comida, de uma guerra fratricida que assassina vizinhos, amigos e irmãos, de uma crise instalada que nos fulmina todos os dias com mais um caso que nos faz duvidar do dia de amanhã, de uma manhã de trabalho que nos esgotou as forças de um dia inteiro…

Há dias que já não se aguentam. Dias em que não vislumbramos o sol, dias que duvidamos que Deus existe. Dias que em que protestamos vivamente, como Al Berto:  deus tem que ser substituído rapidamente por poemas, sílabas sibilantes, lâmpadas acesas, corpos palpáveis,
vivos e limpos.
 É quando perdemos o tempo. Já não sabemos onde está, ou, pior ainda, para que o queremos. Ele escapa-se-nos das mãos. Ouvimos, mas não sentimos. Guerra? É tão lá longe… Crise? Está tão instalada que mais uma notícia é só mais uma notícia. O tempo esgota-se em cada má notícia, os dias esvaiam-se numa sucessão de segundos onde estamos onde não queremos, fazemos o que não projectamos, sentimos o que não desejamos. 
E, num repente, dá-mos connosco a pensar: mas já não há tempo...

— Bom dia - disse o principezinho.
— Bom dia - disse o vendedor.
Era um vendedor de pílulas aperfeiçoadas que acalmam a sede. Toma-se uma por semana e deixa-se de sentir qualquer necessidade de beber.
— Por que é que vendes isso? Perguntou o principezinho.
— É uma grande economia de tempo, disse o vendedor. Os peritos fizeram as contas. Permite poupar cinquenta e três minutos por semana.
— E o que é que se faz com esses cinquenta e três minutos?
— Faz-se aquilo que se quer...
«Eu, disse para si mesmo o principezinho, se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, caminharia muito lentamente para uma fonte...»

Saint-Exupéry  tinha tempo. E nós teremos? Eu gostava de ter tempo para me contarem uma história… ouvir uma música dentro do silêncio, ter um sonho nas páginas de um livro… Porque como dizia José Jorge Letria,

Os livros são a metade /Dos sonhos que tu tens,/São a tua liberdade/ E o maior dos teus bens,/Porque tendo a tua idade/Têm tudo o que tu tens.

Anabela G. e http://www.eacfacfil.net/

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Abelaira e Espinosa ou a Pátria dos Imortais…


Augusto Abelaira, escritor, professor, romancista, foi (é) um dos grandes nomes da cultura portuguesa. Na sua vasta obra teve uma especial predilecção pela autocrítica geracional e o próprio acto da escrita, temas a que recorria frequentemente.
Vem isto a propósito de um seu artigo “Nascido em Portugal, Espinosa…”. Encontrei-o no meu “baú” académico e lembro-me de ter debatido, com colegas e professores, se o autor nessa sua reflexão, não teria também uma ponta de melancolia, de desalento até, de nascer português. Não de “ser” português, coisa completa e absolutamente diferente, até porque Augusto Abelaira sempre se pautou por intervir activamente na vida política de Portugal. Senhor de uma ironia profunda participou activamente na cultura e na sociedade portuguesa, não hesitando em envolver-se na altura em que a censura imperava em Portugal.
Mas, voltando ao artigo em questão, Abelaira tece várias considerações sobre a importância (ou a falta dela) de alguns autores célebres nasceram num determinado país. Neste caso concreto, falava de Espinosa e Portugal.  
Será que se Portugal não tivesse expulsado os judeus, Espinosa poderia ter nascido português? E, mesmo assim, quem garante que a família de Espinosa não teria emigrado?
O autor refere que a história humana está repleta de “ses”, reflectindo sobre um certo determinismo muito característico de alguns autores portugueses (da alma portuguesa, diríamos nós), convencidos que Portugal, no seu cantinho do Sul da Europa, tem sempre um papel reduzido no panorama cultural mundial (sim, temos Saramago, para falar apenas de um Nobel, temos já muitos e bons nomes a circular por esse mundo, mas o que poderíamos ter se Portugal não fosse o tal cantinho, o tal “rectangulozinho”?).
Citando Eduardo Lourenço, Espinosa poderia ter escrito a sua Ética em Lisboa ou Coimbra… mas teria ela entrado no grande “diálogo europeu” como aconteceu ou teria antes permanecido confinada à nossa cultura lusa e, assim, sem a projecção que teve na cultura universal? Teria esta que agradecer a tragédia de tanto sangue derramado em Lisboa, para dar à luz um dos grandes racionalistas da filosofia moderna?
Talvez Portugal não reunisse as mesmas condições que Amesterdão proporcionou ao célebre filósofo. Mas, mesmo que reunisse, certamente não seria o mesmo Espinosa… Certamente a sua obra não seria a mesma, o contexto cultural não seria o mesmo, logo a sua Ética não seria a “sua”, mas outra, desenvolvida em contextos diferentes.
Novamente Abelaira recorre na sua reflexão ao fatalismo português. Discorre sobre o individualismo nacional, a falta de diálogo, à quantidade de “Mozarts perdidos” pelo facto de nascerem portugueses… Aqui não estaria o autor a sentir a tal melancolia que falamos há pouco, de nascer em Portugal? Com tantas obras publicadas e o reconhecimento que granjeou, Augusto Abelaira poderia ser conhecido e estudado noutros países, numa outra dimensão, entrado no tal diálogo europeu…. Se (os tais “ses”…) Abelaira tivesse nascido em Amesterdão teria a projecção mundial que certamente almejaria, ou seria, como em Portugal, um escritor premiado e reconhecido nacionalmente, mas apenas e só a nível nacional?
Não saberemos nunca, mas este pensamento determinista, fatalista, de impossibilidade de lutar contra acontecimentos que impedem a liberdade de vida e tolhem a liberdade de movimentos é característica de outros escritores portugueses como Eça, Antero ou Pessoa.
Será que Abelaira não escapou a este estado de alma tão típico de Portugal? Não somos capazes de responder, mas acreditamos que Abelaira subscreveria a afirmação de Alfred de Musset: “Os grandes artistas não têm pátria”.  
E arriscamos a perguntar: a pátria dos filósofos, poetas e escritores não será os seus livros, as suas palavras?

P.S.: Vivemos presentemente uma situação nacional tão crítica  que cada vez mais estamos convictos que Portugal não mudou tanto assim… E ainda por cima continuamos “sebastianistas”… até quando?

Anabela G.
Publicado in Jornal Renascimento e http://www.eacfacfil.net/