segunda-feira, 16 de julho de 2012

A última flor do Lácio




Vale a pena pensar nisto. Eu não me revejo a escrever pela nova ortografia. Simplesmente, não consigo e dói-me hoje ler os jornais e revistas, é uma verdadeira manta de retalhos, ver a língua portuguesa completamente sem rumo. Por imposição editorial muda-se para a nova ortografia, mas depois aparecem as excepções, “por decisão do autor”.            

Se o português já era maltratado por todos nós (sim, porque escrever bem português tem que se lhe diga, a maior parte das pessoas pensa que sabe escrever, mas na realidade quase todos damos erros de português, gramática, semântica, sintaxe), hoje é uma balbúrdia, cada um escreve à sua maneira, numa mistura que não é coisa nenhuma.             

Vejo textos escritos sob o novo acordo, em que apenas suprimem as consoantes mudas. Mas esquecem-se que essas mesmas consoantes mudas caem porque a etimologia assim o exige, mas noutros casos a etimologia pesa mais e então já não caem, outras vezes depende da palavra… Confusos? Também eu.

E depois existem as imposições. E as excepções. E anda a nossa língua, o nosso maior património, a nossa identidade mais profunda, aos trambolhões por esses escritos adentro, como se de um fardo se tratasse, uma coisa a mais, um transtorno a ser resolvido de qualquer forma.
Ainda por cima, o meu Word mudou para a nova ortografia sem perguntar se eu autorizava. Simplesmente, numa actualização automática, eis que impera a vontade de um responsável qualquer por um programa que eu paguei e em que supostamente teria algum direito de opção.

Por tudo isto tenho uma declaração a fazer e que é esta:
Língua portuguesa, minha pátria, por teu respeito, declaro que continuarei a amar-te, respeitar-te e a ser-te fiel, na medida das minhas possibilidades e saber.
Continuarei a louvar-te, última flor do Lácio, como Olavo Bilac, poeta brasileiro, tão sentidamente a intitulou num poema justamente chamado Língua Portuguesa. Lacio é uma cidade italiana, de nome original Latium, e onde primitivamente era falado o latim. A língua portuguesa foi a última língua a derivar do latim, sendo as outras o francês, espanhol, italiano e romeno.

Do mesmo poema deixo-vos estas breves estrofes:

“Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!”





Publicado in Jornal Renascimento e http://www.eacfacfil.net/

5 comentários:

  1. Se calhar, tem razão. Mas a língua também é um "organismo" vivo e, portanto, como dizia Lavoisier: "nada se cria, nada se perde, tudo se ptransforma.

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  2. é viva , mas por favor não a matem

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  3. Deveria haver mais tributos deste jaez à Madre Língua.

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  4. Minha Língua, minha Pátria, tão maltratadas...Servos-ei fiel até à morte !

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